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ESCOLA E DISCIPLINA: RELAÇÕES DE PODER
Vale, neste momento, visualizar o poder da disciplina presente nas instituições escolares. Nelas existem mecanismos que efetivam a disciplinarização dos indivíduos que a compõe.

Segundo Foucault (1977, p. 126), esses mecanismos “(...) permitem o controle minucioso de operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade - utilidade são o que podemos chamar as ‘disciplinas’”. Continuando a discorrer sobre essa questão afirma que a “(...) disciplina fabrica assim corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência).”

Foucault (2003, p. 182), oferece referências que permitem “(...) captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações. Lá onde se torna capilar; captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais (...)”, e por conseqüência, analisar a escola como o lugar onde o poder disciplinar produz saber, mantém-se, é aceito e praticado por todos os membros da instituição escolar numa relação hierárquica.

Exercer pressão constante sobre os alunos para que todos dêem atenção nos estudos façam as tarefas e respeitem as normas é parte de um sistema punitivo com função normalizadora. O normal se estabelece como princípio de coerção e com ele o poder de regulamentação.

- O espaço físico: a escola-prisão

A disciplina exige um espaço específico para seu exercício, um espaço no qual os indivíduos possam ser vigiados nos seus atos, que tenham seu lugar específico para visualizar seu comportamento para poder sancioná-lo ou medir suas qualidades.

O espaço deve ser visto como algo útil e funcional a escola deve ser dividida através de séries e classes e as mesmas individualizarem os alunos através da disposição em filas o que facilita a vigilância e o controle. O professor visualiza os alunos, pois cada um se define pela sua posição na classe, nesse sentido “(...) a sala de aula formaria um grande quadro único, com entradas múltiplas, sob o olhar cuidadosamente ‘classificador’ do professor” (FOUCAULT, 1977, p. 135).

A exigência da distribuição das classes em fileiras, com alunos em ordem e uniformizados tem como objetivo garantir a obediência dos alunos, e uma melhor utilização do tempo. Cria espaços funcionais e hierárquicos, “(...) trata-se de organizar o múltiplo, de se obter um instrumento para percorrê-lo e dominá-lo, trata-se de lhe impor uma ‘ordem’” (FOUCAULT, 1977, p. 135).

A comparação física das escolas e das prisões procede de acordo com sua composição arquitetônica. Classes distribuídas lado a lado sem nenhuma comunicação, grandes nas janelas, refeitório comunitário, muros altos e com grades, portões sem nenhuma visibilidade com o lado externo à escola.

A construção das escolas obedecem a quase todas essas disposições e com uma peculiaridade importante, a posição da sala da diretoria permite ter uma visão global de todo estabelecimento, um “olhar panóptico” - uma construção que se aproxima ao Panóptico de Bentham[5]. O panoptismo é característica das prisões mas, certamente, está presente nas instituições escolares. Mesmo que não apresente efetivamente todas as características descritas, a funcionalidade do posicionamento da sala da diretoria e supervisão remetem a uma forma de vigilância efetiva. Nas escolas as práticas transgressoras são “registradas” na forma de “ocorrências”[6], estas relatam as ações dos alunos e dos professores que, posteriormente são arquivadas e avaliadas. Através dessas “ocorrências”, ambos podem ser suspensos ou expulsos (no caso dos professores, são exonerados do cargo por serem funcionários públicos) dependendo da gravidade do ocorrido.

A escola torna-se “(...) um espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar físico onde os menores movimentos são controlados onde todos os acontecimentos são registrados (...)” (FOUCAULT, 1977, p. 174). Esse tipo de vigilância permite a diretoria um controle sobre todas as movimentações na escola: quem está no corredor, quem vai ao banheiro, a classe “indisciplinada” e outros mais.

O poder disciplinar exercido através da configuração arquitetônica e, da mesma forma, o controle da diretoria sobre o professor e o aluno através do “olhar panóptico” demonstra de forma veemente como a disciplina faz “(...) funcionar o espaço escolar como uma máquina de ensinar mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar” (FOUCAULT, 1977, p. 134).

- Os mecanismos de controle e punição

Nas reuniões da diretoria com professores, o centro dos discussões centrava-se em elaborar meios ou mecanismos para os alunos estudarem de maneira disciplinar e, cumprir com a programação anual.

A diretoria, de forma contundente, exige o cumprimento de todo o horário de aula, pois os professores como funcionários devem produzir sua tarefa e, de forma hierárquica “obrigar” os alunos a se adequarem a esse sistema. Deve garantir que as individualidades se integrem a uma funcionalidade “orgânica”, ou seja, que funcionem como um organismo com atividades controladas e codificadas.

De acordo com Foucault (1977, p. 141), “(...) o corpo, do qual se requer que seja dócil até em suas mínimas operações, opõe e mostra as condições de funcionamento próprio a um organismo. O poder disciplinar tem por correlato uma individualidade não só analítica e ‘celular’, mas também natural e ‘orgânica’.”

O horário esgotado e totalmente utilizado requer do professor um controle bastante rígido. A configuração espacial - como já apresentado - permite esse controle, um olhar disciplinador e consistente.

Não basta apenas o cumprimento do horário por parte dos professores e alunos, “(...) procura-se também garantir a qualidade do tempo empregado: controle ininterrupto, pressão dos fiscais, anulação de tudo que possa perturbar distrair; trata-se de constituir um tempo integralmente útil (...)” (FOUCAULT, 1977, p. 137).

A diretoria fiscaliza se o professor está utilizando o tempo de maneira proveitosa e este fiscaliza o aluno e o vigia para que cumpra com sua tarefa.

Como Foucault (1977, p. 155-156) específica, o “(...) edifício da Escola devia ser um aparelho de vigiar (...)”, mas esse aparelho necessita para a eficácia da disciplina de uma vigilância hierárquica, “(...) o olhar disciplinar teve de fato, necessidade de escala (...). É preciso decompor suas instâncias, mas para aumentar sua função produtora. Especificar a vigilância e torná-la funcional.”

Nessa perspectiva a vigilância se efetiva na escola com a presença do diretor, dos vice-diretores, da supervisão pedagógica, da orientação educacional, dos professores e finalmente dos alunos.

Essa hierarquia fundamenta um controle, “(...) um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor” (FOUCAULT, 1977, p. 153).

Esse poder disciplinar não procura reter as forças, mas sim interligá-las, multiplicá-las e utilizá-las, sua consolidação utiliza-se dessa vigilância hierárquica e outros meios coercitivos de punição.

A entrada na escola dos alunos só é permitida se estiverem uniformizados, já na portaria entregam uma “carteirinha” de identificação para fiscalização do comparecimento, os alunos só podem sair da classe em horário de aula munidos com o cartão do professor, essas são algumas das normas sobre circulação no interior do estabelecimento escolar.

Esse controle rigoroso aliado a outras regulamentações forma um sistema punitivo, este, composto por dispositivos disciplinares que fazem funcionar normas gerais da educação. Essas normas permitem a medicação dos desvios e a redução desses se daria pela aplicação de

“(...) micropenalidades do tempo (atrasos, ausências, interrupções das tarefas), da atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), da maneira de ser (grosseira, desobediência), dos discursos (tagarelice, insolência), do corpo (atitudes incorretas, gestos não conformes, sujeira), da sexualidade (imodéstia, indecência) (FOUCAULT, 1977, p. 159).

São inúmeros os exemplos que caberiam nessas colocações, no cotidiano escolar esses fatos permeiam a maioria das relações. Constatada a transgressão à norma, a penalidade é uma conseqüência lógica.

(...) trata-se ao mesmo tempo de tomar penalizáveis as frações mais tênues da conduta, e de dar uma função punitiva aos elementos aparentemente indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo, que tudo possa servir para punir a mínima coisa; que cada indivíduo se encontre preso numa universalidade punível-punidora (FOUCAULT, 1977, p. 159).

O receio dos alunos quanto às sanções que vão receber caso infrinjam as normas, demonstra a eficácia das penalidades, e o funcionamento da engrenagem do sistema punitivo. Essas punições são expressas através de suspensões, expulsões, reunião com os pais, redução nas notas, mudança de classe e, dependendo da gravidade, ocorrência policial.

Essas formas de punição fazem parte de um sistema duplo que Foucault chama de “gratificação-sanção”[7].

Esse sistema consiste em tornar operante a correção dos alunos no tocante às relações em sala de aula. O professor deve utilizar mais de gratificações do que de sanções, pois os infratores serão incitados a procurar mais as recompensas e se afastarem das penalidades garantindo assim, que os comportamentos se inclinem na busca por gratificações e reconhecimento.

Todo ano a diretoria da escola promove uma premiação, com medalhas e certificados, para os “melhores” alunos do ano, aqueles com melhores notas e comportamentos disciplinares exemplares.

O poder disciplinar usa como forma de coerção uma relação que compara os melhores e piores alunos, construindo essencialmente, uma relação hierárquica de qualidades. Essa hierarquização não remete somente aos alunos dentro de uma classe, ela existe entre as classes ( Ibid., p. 166). Na escola existem classes “boas” e classes “ruins”, ou seja, as classes são classificadas dessa forma porque os alunos que a integram possuem essas qualificações. A mudança de classe, de sair de uma posição “vergonhosa” para uma “posição honrosa” reforça ainda mais o poder disciplinar da instituição escolar.

Outro mecanismo indicador do poder disciplinar nas escolas é o exame ou provas. Através dele o professor conhece seus alunos, descritos, mensurados, comparados a outros, treinados, classificados, normalizados. “O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e a sansão que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir” (FOUCAULT, 1977, p. 164).

Nas escolas, a aplicação do exame envolve todo um ritual desde a padronização de sua estética até a conduta disciplinar e temporal. Os exames são aplicados em classes com alunos em ordem alfabética, enfileirados, com um horário mínimo para término, com a proibição de qualquer conversa ou gestos. O exame deve ser feito de maneira sistemática e objetiva. Esse ritual renova constantemente o poder, demonstra a força que a disciplina possui no cotidiano escolar. O exame compara os alunos e permite analisá-los e se necessário, sancioná-los.

Através dele, obtém-se o conhecimento sobre o aluno, sobre suas aptidões e deficiências, sobre sua evolução ou desvio ao mesmo tempo de transmissão do saber, esse método pressupõe “(...) um mecanismo que liga um certo tipo de formação de saber a uma certa forma de exercício do poder” (FOUCAULT, 1977, p. 166).

Pode-se dizer que o exame constitui-se uma das peças fundamentais para a edificação da pedagogia (Ibid., p. 166).

De maneira geral pode-se afirmar que na escola o poder disciplinar torna-se natural e legítimo. A construção de um saber qualitativo na educação, de ações e projetos pedagógicos é sobreposta pelo caráter disciplinar das escolas.

O educar significa ensinar, qualificar, esclarecer mais também, disciplinar, vigiar, punir.

Fonte:http://www.urutagua.uem.br/005/05edu_borges.htm
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